Participantes do debate sobre a Liberdade de Imprensa e de Expressão como vias para a promoção da democracia em Moçambique, entendem que a actual Lei de imprensa, que vigora a 29 anos, carece de revisão, para austa-la aos desafios da actualidade. No entanto, apresentam receios sobre a pertinência de que tal revisão seja feito no contexto em que se regista dois conflitos armados no país.
O jornalista e jurista moçambicano, Ericino de Salema, mostrou suas reservas, por entender que o legislador pode sofrer influências das circunstâncias actuais e limitar as liberdades de imprensa.
Para Salema procede-se, no texto que pretende viabilizar a revisão da Lei número 18/91, de 10 de Agosto (Lei de Imprensa), à eliminação do princípio que olhava para a mesma questão mais na perspectiva de produção de informação como algo inserto numa certa lógica processual e procedimental, e não demanda pela objectividade virada apenas à pessoa do jornalista.
“Claro que, em rigor, a norma está a ser transposta da lei em vigor para a que se pretende lhe suceda, mas, passados 30 anos, talvez não fosse má ideia de todo considerar-se mais uma perspectiva de “fim social”, tendo-se como fonte primordial, em termos de legística, a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale, no lugar de continuarmos, como país, apegados à Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, já em desuso”, disse Salema.
O jornalista defende que não lhe parece democraticamente razoável que se esteja a avançar, neste momento, com a revisão da Lei de Imprensa, pois, “tendo o país, para a infelicidade de todos nós, duas guerras activas, conforme reconhecido por dois órgãos constitucionais, nomeadamente o Conselho Nacional de Defesa e Segurança, em Abril deste ano, quanto ao terrorismo em Cabo Delgado, e o Presidente da República, em finais de Outubro, quanto ao ataques em pelo menos duas províncias do centro do país (Sofala e Manica), atribuídos à auto-proclamada Junta Militar da Renamo”.
“Até porque a Lei de Imprensa é uma lei materialmente constitucional. E a nossa CRM integra, no seu artigo 302, limites circunstanciais. Sendo a guerra uma situação muito mais grave que a de Estado de Sítio ou de Estado de Emergência, resulta claro que não é assim tão líquido que se possa avançar, sem problemas, com a revisão da Lei de Imprensa neste momento”, sublinhou o jornalista Salema.
Salema ajunta que rever a Lei de Imprensa neste contexto de duas guerras activas é igualmente problemático uma vez que essa revisão pode, intencionalmente ou não, acomodar as limitações ao exercício da liberdade de imprensa que têm estado a acontecer em Cabo Delgado, onde há pelo menos um jornalistas desaparecido e outros dois com os seus direitos fundamentais limitados, por conta de uma medida de coacção que lhes foi administrada para que fossem restituídos à liberdade.
No seu entender, sendo a liberdade de imprensa um direito fundamental, é preciso que se explique qual o problema social e jurídico que se pretende resolver com essa revisão.
Por seu turno, o Representante do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), Osvaldo Gemo, disse, no debate sobre liberdade de imprensa e de expressão como vias para a promoção da democracia em Moçambique, que não se pode falar de democracia sem liberdade de expressão de imprensa num país.
Segundo Gemo é preciso que se observe e se amplie os direitos e deveres dos jornalistas uma vez que os jornalistas são actores de democracia.
“Apesar de termos uma lei progressista, na prática temos tido muitas lacunas no que se refere ao exercício do direito à informação e a situação do teatro operacional norte é um dos exemplos elucidativos”, disse Gemo salientando que isto tem vindo a acontecer e seria de bom tom que este país tivesse um engajamento colectivo, a partir das várias frentes, incluindo a média para que a democracia seja consumida diariamente como um fruto maduro.
Segundo avançou, como sindicato de jornalistas, a sua maior preocupação prende-se com questões de ética e deontologia profissional, que em nome da liberdade de expressão e de imprensa, têm sido sistematicamente pisoteadas.
A mesa redonda contou com a participação de representantes de diversos órgãos de comunicação social públicos e privados e de partidos políticos parlamentares e não parlamentares, bem como a participação de diversos segmentos sociais através das plataformas electrónicas Zoom e Facebook.