Falando na segunda sessão do ciclo de debates no âmbito da celebração dos 30 Anos da Democracia Multipartidária em Moçambique, o jurista e docente universitário, Eduardo Sitoe chamou atenção para a necessidade de o constitucionalismo moçambicano ser mais tolerante e buscar resgatar valores que privilegiam a justiça social.
Segundo o académico, a Constituição da República de 1990 que introduziu o Estado de Direito e o multipartidarismo, transportou para nova República alguns indícios do comunismo e centralismo da primeira República, daí que se verificam constantes clivagens entre os diferentes partidos políticas.
"Em 1990 abriu-se o espaço para o multipartidarismo, com a introdução de uma nova constituição que pautava por um estado de direito democrático, pelo princípio da democracia, separação de poderes, defesa dos direitos humanos, independência do poder judicial, mas prevaleceu um sistema com resquícios do comunismo, com resquícios do centralismo que vieram da primeira República", referiu, Sitoe, para quem "o processo democrático moçambicano, o constitucionalismo moçambicano deveria ser mais tolerante. Deveria encontrar o maior reconhecimento das nossas diferenças. A nossa diversidade cultural e tentar encontrar consensos consoante as matérias vindas do passado. Então oque nos verificamos a partir da constituição de 1990 e um bocado na constituição de 2004? Verificamos resquícios daquilo que não ficou muito bem consolidado na constituição de 1990 e nem na transformação do Acordo Geral de Paz de Roma para a constituição de 2004. Isto nós notamos na constante clivagem e contradições do debate político dos principais partidos políticos com representação parlamentar".
Eduardo Sitoe lamenta que alguns princípios e valores do passado que deviam prevalecer, estejam a ficar para trás em favor de benefícios pessoais de quem devia promover e garantir a justiça social no país.
"Nesta segunda República, os valores que nos tínhamos no passado, como unidade, trabalho, vigilância e justiça social, nós pontapeamos, e entendemos mal a democracia. Passamos para uma dolarcracia. Quer dizer, as mesmas pessoas que defendiam princípios da unidade nacional e distribuição da riqueza, começaram a fazer justamente aquilo que andaram anos a criticar. É só olhar para as dividas ocultas. É só olhar para o presente momento em alta do Gabinete Central do Combate a Corrupção".
Para Sitoe, tal acontece porque "na segunda República nos colhemos estas veleidades individuais. Começou a prevalecer a falta de partilha patrimonial. Falhou este valor, ou então está a falhar. Está omitida a questão do desenvolvimento político, económico e social e da justa distribuição dos nossos recursos".
Neste sentido, o académico considera que a constituição de 1990, do ponto de vista formal era muito boa, no entanto, do ponto de vista prático ainda carece de constante actualização, como aconteceu em 2004 e 2018, com a descentralização e o processo de eleição de governadores provinciais.
E mais ainda, o jurista recomenda o resgate urgente dos bons valores e princípios da primeira e da segunda República em detrimento da ganância e outras praticas nocivas para o país.
"No meu entender devíamos é agregar e incorporar todos aqueles princípios bons da primeira República, unidade, trabalho e vigilância. Recuperar todos aqueles princípios bons da segunda República, da parte democrática, como a liberdade de expressão, liberdade de opinião, liberdade de imprensa, o associativismo, partidos políticos mais responsáveis com a coisa publica e não negligenciarmos a justiça social, não tolerarmos a dolarcracia, não permitirmos a ganância, a corrupção, a falta de ética, o peculato, o nepotismo e sobretudo a inversão de valores morais".
O encontro juntou juristas, políticos, sociedade civil e académicos e tinha em vista analisar a evolução do constitucionalismo Moçambicano e as suas implicações no processo de transição democrática e garantia dos direitos fundamentais.
Neste sentido, o Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Luís Bitone, referiu que “um dos ganhos da evolução da constitucionalidade moçambicana é o aperfeiçoamento e desenvolvimento dos direitos fundamentais. Recordou que nos termos da Constituição “A Republica de Moçambique é um Estado democrático e de justiça social e um dos objectivos do Estado moçambicano é a defesa e promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a Lei”.
Defendeu que em termos formais a Constituição estabeleceu fortes garantias que enaltecem os direitos fundamentais, recordando que a responsabilidade primária pela garantia dos direitos fundamentais é do Estado, sendo para que para ele, “não basta declarar normas pois o mais importante é garantir o funcionamento das instituições e mecanismos institucionais de garantia desses direitos fundamentais”.
Na ocasião, o constitucionalista norte americano, Keith Rosenn que participou por vídeo conferência, destacou o percurso do constitucionalismo americano tendo avançado que após a independência em 1776 os EUA tiveram duas constituições e 27 emendas. Salientou que a actual constituição com apenas 7 artigos (com uma linguagem geral e poucas previsões especificas) estabeleceu a democracia e poder contra a tirania tendo como um dos princípios básicos a separação de poderes (Executivo, Legislativo e Executivo).
No campo democrático Rossen reconheceu que o percurso americano foi caracterizado por um conjunto de desafios de inclusão (racial e de questões de gênero) que ao longo dos tempos foram superados com as varias emendas aprovadas que por exemplo aboliram a escravatura em 1865 (emenda 13) e consagraram que o direito de votar não podia ser negado na base da raça ou cor (emenda 15). A finalizar Rossen realçou que "EUA é a primeira democracia que funciona com a mesma Constituição por mais de 200 anos e nunca foi registado qualquer golpe de Estado".
O ciclo debates no âmbito da celebração dos 30 anos da Democracia Multipartidária em Moçambique é organizado pelo Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJCR) e Instituto para Democracia Multipartidária (IMD) sob o lema “Celebrando a Constituição Multipartidária e Construindo uma Democracia Inclusiva”. Com estas actividade que vão decorrer até o final do mês de abril pretende-se celebrar os ganhos e desafios decorrentes da implementação dos 30 anos de Democracia Multipartidária em Moçambique, tirar lições, colher contribuições e subsídios para o seu fortalecimento.